Capítulo 4: Arrependimento para a Vida


Introdução

 A chamada ao arrependimento é uma nota marcante nas Escrituras Sagradas. Percebemos que os profetas incessantemente chamavam o povo que havia se distanciado de Deus ao arrependimento (Is. 1:18; Jr. 4:1; Os. 14:1; Jl. 2:12-13; Am. 4:8; Ml. 3:7). Quando João Batista apareceu pregando no deserto, a sua pregação também era uma chamada ao arrependimento (Mt. 3:2 e 8; Mc. 1:4; Lc. 3:3 e 8). Semelhantemente Jesus Cristo (Mt. 4:17; Mc. 1:15; Lc. 5:32) e posteriormente também os apóstolos (At. 2:38; 17:30; 26:19-20; 2 Pd. 3:9; Ap. 3:19). Destes exemplos concluímos que o arrependimento, tal como a fé, também é parte inseparável do processo da salvação. Porém, o que é arrependimento para a vida, conforme está expresso na nossa Confissão de Fé?

 I – Arrependimento não é remorso. 

 Temos um exemplo clássico de alguém que se entristeceu profundamente com a sua atitude. Esse foi Judas. Ele estava consciente do seu pecado, por isso devolveu as trinta moedas de prata e foi enforcar-se (Mt. 27:3-5). Outro forte exemplo que temos é o de Esaú, que mesmo em lágrimas, não alcançou o verdadeiro arrependimento (Hb. 12:16-17), ainda que reconhecesse seu erro. Apesar de serem tão comoventes estes relatos bíblicos, porque eles não são considerados como genuínos arrependimentos? A resposta é que a tristeza que eles sentiram foi muito mais por causa daquilo que eles perderam ou das consequências dos seus atos do que propriamente da consciência do pecado que desagrada e ofende a Deus, o nosso Criador e Senhor. No Novo Testamento somos advertidos tanto por Jesus Cristo quanto nas cartas apostólicas de que haveria pessoas que demonstrariam apenas uma aparente conversão. A parábola do semeador fala-nos da semente que caiu em solo rochoso. Jesus nos explica: “...esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca duração ...” (Mt. 13:21). Estas pessoas são as mesmas mencionadas em Hebreus, que, mesmo participando das bênçãos dispensadas pelo Espírito Santo à sua igreja, não produzem frutos, mas somente espinhos (Hb. 6:4-8). Quanto a estes, o apóstolo João, afirma que o abandono da fé por parte deles só evidenciará que nunca fizeram parte daqueles que verdadeiramente foram salvos (1 Jo. 2:19). Esta realidade que também fez parte do ministério do apóstolo Paulo (1 Tm. 1:19-20; 2 Tm. 2:17-18; 4:10) Jesus a viu de forma abundante (Mt. 19:22; Jo. 6:66). Pode ser que tenhamos que conviver com muitos até a vinda de Cristo que nunca arrependeram-se verdadeiramente (Mt. 13:13:30), mas a verdade é que, quanto mais o Dia do Senhor se aproximar, mais evidente ficará aqueles que se arrependeram de fato daqueles que nunca foram realmente convertidos, pois muitos destes apostatarão da fé (2 Ts. 2:3), ou seja, abandonarão o conjunto de verdades expostas na Palavra de Deus, pois a fé salvífica eles nunca a possuíram.  


II – O significado da palavra “arrependimento”.

  Arrependimento, no sentido que estamos estudando, significa mudança de mente, atitude, maneira de pensar, disposição, caráter, consciência moral ou voltar-se do pecado para Deus . Logo, em outras palavras, é como se Jesus dissesse: “ Vocês precisam mudar as suas mentes e corações , porque o reino de Deus é chegado” (Mt. 4:17). É importante também salientar que alguns estudiosos utilizam a palavra conversão referindo-se ao mesmo sentido.


 III – Como o arrependimento é produzido.

  1 – Pela graça de Deus O Senhor Jesus Cristo, na noite em que foi entregue, disse que ele era a videira verdadeira e nós os ramos. Sem ele nada poderíamos fazer (Jo. 15:5). Arrependimento é fruto da operação do Espírito Santo em nossos corações (Jo. 16:8-11), logo é uma graça dada pelo próprio Deus, assim como aprendemos na carta de Paulo aos Efésios (Ef. 2:8-9). Esta bênção, já anunciada no Antigo Testamento (Jr. 31:18; Ez. 11:19; 36:26; Zc. 12:10) vemos de maneira bem clara sendo cumprida no Novo Testamento (At. 5:31; 11:18; 2 Co. 7:10; 2 Tm. 2:25). Pelo fato desta graça ser uma bênção destinada exclusivamente aos eleitos de Deus (Jo. 6:44; 10:1-4, 14-16) é que ela não pode ser falsificada. Por isso a ênfase em que Deus é que conduz e concede o arrependimento e que ele conhece aqueles que lhe pertencem (2 Tm. 2:19). Um excelente exemplo da graça de Deus e que contrasta com aqueles que abandonam a fé é o ladrão da cruz, que evidenciou arrependimento em seu momento final. 2 – Através da pregação Está escrito na Bíblia Sagrada que “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm. 10:17). Porém, qual o genuíno conteúdo da pregação do evangelho, ou seja, qual a mensagem que deve estar presente na pregação do evangelho? Um bom indicador é observarmos a forma como Jesus pregava. Lemos que Jesus partiu para a Galiléia, “pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc. 1:14-15). Mesmo após a sua ressurreição, quando ele expunha as Escrituras aos seus apóstolos ele enfatiza que um dos pontos centrais de toda a profecia era “que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc. 24:47). Esta ordem, levada a cabo pelos apóstolos, nos faz perceber como realmente ela direcionou o ministério apostólico. Paulo enfatiza de uma maneira bem clara como a chamada ao arrependimento era central na sua pregação (At. 20:20-21). Porém, a pergunta que podemos fazer é: porque a pregação é o meio pelo qual o arrependimento é produzido? 2.1 – A pregação expõe o homem à lei de Deus – Um dos objetivos da pregação do evangelho é expor o homem diante da lei de Deus e assim convencê-lo do seu pecado e da sua miséria espiritual (Rm. 3:20; 7:7). Somente diante do padrão moral estabelecido pelo próprio Deus, que é a sua lei, poderemos fazer uma autoavaliação e percebermos o quão distantes estamos dele e consequentemente, debaixo da sua ira e condenação (Rm. 1:18). 2.2 – A pregação expõe o homem à santidade de Deus – Outro objetivo da pregação, além de nos expor à lei de Deus e assim convencer-nos da nossa miséria espiritual, é também confrontar-nos com a santidade de Deus. A nossa convicção de pecado será proporcional a nossa convicção da santidade de Deus. Somente contemplando o ser de Deus é que faremos uma avaliação mais precisa a respeito da nossa própria situação. Percebemos esta verdade exposta em diversos exemplos da Bíblia: o povo de Israel na planície do Sinai (Ex. 20:18-21); Moisés (Ex. 33:17-23; 34:4-8); Manoá, pai de Sansão (Jz. 13:21-22); Jó (Jó:42:5-6); Isaías (Is. 6:5); Ezequiel (Ez. 1:26-28); Daniel (Dn. 8:26-27; 10:8-9); os discípulos diante da transfiguração de Jesus (Mt. 17:5-7); Pedro (Lc. 5:8); Saulo (At. 9:3-6) e João (Ap. 1:17-18). Diante destes exemplos, vemos que a maior necessidade que temos é o conhecimento de Deus (Os. 4:6 6:3 e 6), pois só através deste conhecimento teremos vida eterna (Jo. 17:3) e verdadeiramente conheceremos quem de fato somos nós, o que produzirá em nós a convicção de pecado e a necessidade de arrependimento. 3 – Quando o regenerado manifesta 3.1 – Tristeza pelos seus pecados – O arrependimento não é remorso e não pode ser medido pela quantidade de lágrimas derramadas. Porém, temos evidências mais do que suficientes, de que o arrependimento produz em nós tristeza por causa dos nossos pecados. Sentimo-nos envergonhados diante de Deus e repudiamos a nossa própria maneira pecaminosa de agir (Sl. 51:4, 5 e 9; 119:128 e 136; Is. 30:22; Jr. 31:18-19; Ez. 18:30-31; 36:31; Jl. 2:12-13; Am. 5:15; Rm. 12:9; 2 Co. 7:10; Jd. 23). 3.2 – Frutos de arrependimento – A maior manifestação de um coração arrependido não é tanto a quantidade de suas palavras ou a sua comoção espiritual. A maior manifestação do arrependimento é o fruto que ele produz (Mt. 3:8). São os frutos que testificarão a nossa comunhão com Deus e o nosso desejo de serví-lo (2 Rs. 23:25; Sl. 119: 6, 59, 106; Lc. 1:6; At. 26:16-20). Estudaremos mais sobre este ponto quanto abordarmos o tema das boas-obras.

 IV – Características do arrependimento.

  1 – Possuiu um aspecto intelectual. Como já mencionamos anteriormente, o arrependimento é a compreensão da nossa situação espiritual quando somos expostos diante da lei de Deus e da sua santidade. Entendemos as verdades de Deus e cremos nas suas promessas de perdão e restauração. Pela ação do Espírito Santo, o evangelho passa a fazer sentido para nós e então compreendemos o plano de Deus para a nossa salvação. O arrependimento não é apenas uma mera comoção espiritual ou emocional.  
2 – Possui um aspecto emocional. Contudo, mesmo possuindo um ingrediente racional, o arrependimento toca o homem por inteiro. Ele se entristece por causa do seu pecado, sente vergonha de si mesmo e humilha-se diante de Deus. Por isso, dizemos que o arrependimento possui também um aspecto emocional.  
3 – É uma evidência e não a base da salvação. É muito importante que observemos aqui que não é o nosso arrependimento que é a causa e a base da nossa salvação. Ele é uma evidência e uma exigência para a nossa salvação (Lc. 13:3 e 5; At. 17:30-31). Porém, esta é um ato da livre graça e amor de Deus (Ez. 16:61-63; 36:31-32; Os. 14:2 e 4; Rm. 3:24; Ef. 1:7). Nada há que façamos que nos torne merecedores da salvação, nem mesmo o nosso arrependimento. 4 – Deve continuar durante toda a vida
Não existe um pecado tão pequeno que não mereça condenação (Mt. 12:36; Rm. 5:12; 6:23; Tg. 2:10), porém, não há um pecado tão grande que traga condenação sobre aqueles que verdadeiramente se arrependem (Is. 1:18; 55:7; Rm. 8:1). Desta verdade, aprendemos que não há sequer um pecado do qual não devamos nos entristecer e não confessá-los um a um (Sl.19:13; Lc. 19:8; 1 Tm. 1 :13 e 15) ao Senhor. Porém, temos a segurança de que em todos os momentos, podemos humildemente buscar ao Senhor, descansando na sua graça, perdão e amor obtidos através da mediação e sacrifício de Cristo (Sl. 32:5-6; 51: 4, 5, 7, 9, 10; Pv. 28:13; 1 Jo. 1:9-2:2). Da mesma forma, se pecarmos contra o nosso irmão ou contra a igreja de Cristo, devemos estar prontos para pessoalmente ou publicamente pedirmos perdão e confessarmos o nosso pecado (Tg. 5:16). Caso sejamos procurados por um irmão que peça o nosso perdão, devemos perdoá-lo, assim com fomos perdoados (Mq. 7:18-19; Mt. 6:12; Lc. 17:3-4; 2 Co. 2:7-8; Gl. 6:1-2), esquecendo-se de uma vez por todas da ofensa.
 
Conclusão 
 
 Certa vez Jesus contou a parábola de uma pai que chamou os seus dois filhos para ajudá-lo na vinha (Mt. 21:28-32). O primeiro disse que iria mas não foi. O segundo disse que não iria mas foi. O segundo demonstrou o verdadeiro arrependimento. Que a cada dia o Senhor conceda ao nosso coração a sensibilidade para nos entristecermos por causa do nosso pecado e humildade para buscá-lo. E àqueles que ainda estão longe, a nossa oração é que a bondade de Deus os conduza ao arrependimento. 
 

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