Por Leonardo Pereira
Se a superfície da terra fosse lisa, a água a cobriria numa profundidade de cerca de 3 km. Parece que lembro também que os seres vivos, mesmo o corpo humano, se compõem de aproximadamente 80% de água. A água é, obviamente, de todas as substâncias uma das mais encontradas, e sem ela toda a vida acabaria. Com toda a natureza nos impondo a necessidade de água, ela parece ser um símbolo quase inevitável de vida e salvação. Não admira que Deus lhe dê um destaque tão grande nas Escrituras e no projeto de redenção. Um dos empregos mais naturais da água é como recurso purificador. Quando que as pessoas deixaram de usar a água para tirar a sujeira do corpo ou de qualquer outra coisa suja? Abraão pediu água para que os seus três convidados pudessem lavar os pés (Gn 18.4). Em Gênesis 43.31, registra-se que José lavou o rosto antes de comer.
A mudança da purificação literal a um sentido simbólico não é coisa difícil. As Escrituras falam de purificações rituais que capacitavam os sacerdotes para diversos serviços: "Toma os levitas . . . e purifica-os; assim lhes farás [cerimonialmente], para os purificar: asperge sobre eles a água da expiação; e sobre todo o seu corpo farão passar a navalha, lavarão as suas vestes e [assim] se purificarão" (Nm 8.6,7). O povo em geral também tinha várias purificações que os limpava da contaminação cerimonial (Lv 4.8,9; Nm 19.11-13).
A água era usada para purificação espiritual. Assim, Jó fala de se lavar com "água de neve" e limpar as mãos com sabão (Jó 9.30). Ainda mais diretamente, Davi roga: "Lava-me completamente da minha iniqüidade e purifica-me do meu pecado . . . Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve" (Sl 51.2,7; Pv 30.12; Is 1.16). Tudo isso nos prepara para o elo inquebrável que o Novo Testamento estabelece entre a purificação do pecado e as águas do batismo. Ananias disse a Saulo: "E agora, por que te demoras? Levanta-te, recebe o batismo e lava os teus pecados, invocando o nome dele" (At 22.16; 1 Co 6.11; Ef 5.26; Tt 3.5). Em 1 Pedro 3.20,21, o apóstolo insiste que o batismo é um banho que salva, não um banho que meramente limpa a sujeira do corpo.
A água também tem algum sentido como elemento de julgamento, com poder para libertar e para destruir. Ocorrem-nos dois exemplos impressionantes do Antigo Testamento: a travessia do mar Vermelho por parte de Israel e, é claro, o dilúvio. No primeiro caso, relatado em Êxodo 14, o mar Vermelho se tornou a barreira entre Israel e a escravidão e o meio de se destruir Faraó. O salmista disse: "Dividiu o mar e fê-los seguir; aprumou as águas como num dique . . . Dirigiu-o com segurança, e não temeram, ao passo que o mar submergiu os seus inimigos" (Sl 78.13, 53). Pedro, referindo-se ao grande dilúvio, disse que na arca "oito pessoas, foram salvos, através da água" (1 Pe 3.20). Mas o mesmo acontecimento foi um julgamento sobre a terra (2 Pe 3.5,6) e serve de um tipo de garantia de que todo o mundo será novamente destruído pelo fogo da próxima vez.
Com o dilúvio, Deus destruiu os perversos dos dias de Noé (Gn 6.5-7) e libertou o justo Noé (Gn 6.9). Mas o valor redentor do dilúvio teve efeitos ainda mais abrangentes. Ele preservou uma linhagem justa para o Messias, que viria "buscar e salvar o perdido" (Lc 19.10), e "dar a sua vida em resgate por muitos" (Mt 20.28). Pedro prosseguiu afirmando que o dilúvio simboliza "o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo" (1 Pe 3.21). O pecador é batizado na morte de Jesus (Rm 6.3), um acontecimento que liga o julgamento de Deus sobre o pecado e a redenção do pecador. Em certo sentido, portanto, ser batizado é ser julgado e redimido no mesmo ato. A morte do velho homem, a ressurreição do novo.
Por fim, Pedro estabelece uma relação entre a água e a criação, quando diz que os céus e a terra surgiram "da água e através da água pela palavra de Deus" (2 Pe 3.5). Que adequado, então, que a água, no ato do batismo, desempenhe o seu papel na formação, por parte de Deus, da nova criação: a pessoa em Cristo (2 Co 5.17). A transformação do velho homem no novo é tão radical, que somente um acontecimento tão radical quanto a própria criação pode servir de analogia ou antítipo adequado. Nas águas do batismo, Deus forma "feitura dele, criados em Cristo Jeus . . ." (Ef 2.10).
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