sábado, 3 de abril de 2021

Comentário Bíblico Mensal: Abril/2021 - Capítulo 1 - Somente a Graça - Sola Gratia

 




Comentarista: Marcos Rogério



Texto Bíblico Base Semanal: Efésios 2.1-10

1. E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados,
2. Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência;
3. Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.
4. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou,
5. Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos),
6. E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus;
7. Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.
8. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.
9. Não vem das obras, para que ninguém se glorie;
10. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.

Momento Interação

A doutrina da salvação pela graça foi fundamental para o restabelecimento da doutrina bíblica no tempo da Reforma. Essa doutrina sempre incomodou o ser humano. Ele sempre se sentiu desconfortável em saber que sua salvação não depende de si mesmo, mas exclusivamente de Deus, que a concede graciosamente, não por mérito. Gostamos de tomar nossos assuntos em nossas próprias mãos. É por isso que essa doutrina nos incomoda tanto. Sempre foi assim, como os intermináveis debates sobre o tema ao longo da história deixam bem claro. Na Idade Média, porém, o abandono dessa doutrina alcançou seu ponto mais alto. Seu resgate foi feito pela teologia reformada.

Introdução

A Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão do século XVI liderado por Martinho Lutero, simbolizado pela publicação de suas 95 Teses em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg que propunha um retorno às Escrituras Sagradas que haviam sido quase que sufocadas com base nas distorções doutrinárias, pela tradição eclesiástica, pelos apácrifos e por inúmeras tradições e superstições. É importante ressaltar que Martinho Lutero não era inimigo da fé, da comunhão e da unidade, pelo contrário, a própria igreja em seus dias havia se afastado dos princípios do Evangelho e a Reforma tencionava um retorno à Bíblia e não causar divisão. Caso a igreja tivesse aceitado o apelo e retornado às Escrituras Sagradas a reforma teria sido operada dentro da igreja, mas não só a igreja rejeitou a reforma como perseguiu os reformadores.

Em todos os séculos àqueles que tem se levantado no meio do povo pedindo um retorno à Palavra de Deus tem sofrido escárnio, perseguição e intolerância por parte  daqueles que não amam a Deus e tem monopolizado o poder. A Reforma Protestante trouxe importantes conquistas para a humanidade como a liberdade religiosa, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, a democracia, o progresso científico e o mais importante, um retorno à Bíblia Sagrada. Somos a herança da Reforma Protestante, somos convocados por Deus para prosseguir com esta obra até que Jesus venha buscar Seu povo. Este é nosso legado.

I. Graça - Favor Imerecido

A palavra hebraica para “graça” é ḥên ou chen (חֵן), e segundo o Strong, o vocábulo aparece 69 vezes nos textos em hebraico. Significa “graça”, “elegância”, “favor”. Geralmente ensina-se que antes de Cristo a salvação era pela lei e após Cristo e seu sacrifício na cruz a salvação é pela graça.  Tal ensino é totalmente contra as Escrituras, pois grandes lições de justificação pela fé  (salvação pela graça) eram diariamente ensinadas no ritual do santuário.  Levítico 1.3 diz que o sacrifício era para que o homem fosse aceito perante o Senhor, ou seja, o homem não era aceito por seus méritos, mas pelo sacrifício substituinte.  Levítico 1.4 diz que o ofertante colocava as mãos sobre a cabeça do sacrifício demonstrando que a vítima inocente carregaria seus pecados, uma alusão ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo Jo 1:29. 

Levítico 1.5 diz que o ofertante imolava o novilho reconhecendo que por suas mãos devido ao seu pecado a vítima inocente estava morrendo, uma alusão à (Is 53.4-6). Cada ofertante reconhecia no cordeiro cujo sangue era derramado em seu lugar o verdadeiro Cordeiro de Deus e pela fé reclamava os méritos de Cristo sendo salvo pela graça mediante a fé no Cordeiro de Deus que morreria em seu lugar. Qualquer teoria de salvação pelos próprios méritos pela observância da lei antes ou depois de Cristo é uma falha tentativa de salvação pelas obras (Rm 3.20; Gl 2.16,21; 3.11). Hebreus 11 apresenta uma grande lista de homens que foram justificados pela fé mesmo antes do primeiro advento de Cristo. Se qualquer homem pudesse salvar-se por méritos próprios Cristo não precisaria ter vindo morrer por nós.
"Noé achou graça diante do Senhor." (Gn 6.8). O salmista Davi escreveu: "No tocante a mim, confio na tua graça; regozije-se o meu coração na tua salvação"  (Sl 13.5). Em Isaías 53.4-6, o profeta Isaías afirma que o Senhor fez recair sobre Jesus a iniquidade de TODOS NÓS. Em Tito 2.11, lemos que a graça salvadora de Deus se manifestou salvadora a todos os homens. Hebreus 11 apresenta uma lista de pessoas do Antigo Testamento que foram justificadas pela fé. Portanto não há base bíblica para apregoar que nos tempos do Antigo Testamento a salvação foi pela guarda da lei e nos tempos do Novo Testamento a salvação é pela graça, a salvação sempre foi unica e exclusivamente pela graça de Cristo mesmo para as pessoas que morreram antes de Cristo (Ef 2.8-10).  Se o homem pudesse ser salvo pelas obras da lei Jesus nem precisaria ter vindo.

Antes de Jesus os homens eram salvos pela graça mediante a fé no Redentor que viria e depois de Jesus os homens são salvos pela graça mediante a fé no Redentor que já veio. A graça é uma dádiva, um favor imerecido, algo que o homem não merece e nem pode pagar por ela. Desde os tempos do Antigo Testamento, Deus ensinou atravéz das cerimônias que prefuguravam o Messias que o homem não pode salvar-se a si mesmo e que precisa de um Salvador. No Novo Testamento a palavra grega equivalente à hebraica para graça é charis que também representa um favor imerecido, bondade, misericórdia. O Antigo Testamento introduz a doutrina da justificação pela fé mostrando que a lei não salva o homem, as obras não salvam o homem e o Novo Testamento proclama a plenitude dessa graça.

II. A Doutrina da Graça na Reforma

Da perspectiva humana, o dia 31 de outubro de 1517 parecia apenas um dia comum. Um monge agostiniano e professor de teologia chamado Martinho Lutero havia decidido chamar sua comunidade para um debate público sobre a venda de indulgências, penitências, relíquias e outros temas polêmicos. Para isso, afixou as 95 teses à porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha. Eram teses curtas, mas profundas. Tudo parecia apenas uma atitude de cuidado pastoral, mas aos olhos de Deus era o início de uma revolução espiritual. Sua mensagem foi muito além daquele dia e lugar, vencendo as fronteiras da Alemanha, agitando a Europa e reorganizando a religião cristã em todo o mundo. A tradição estava substituindo as Escrituras e os sacramentos da igreja substituindo a graça de Deus. Martinho Lutero, em busca de indulgências através da penitência certa vez ao subir de joelhos a "escada de Pilatos" que supostamente teria sido miraculosamente transportada de Jerusalém para Roma, ouviu uma voz em sua consciência dizendo: "O justo viverá pela fé" (Rm 1.17). Levantou-se rapidamente e desde esse tempo viu a falácia humana de confiar nas próprias obras para se obter a salvação. A igreja em seus dias pregava a salvação pelas obras, penitências, indulgências e pelos sacramentos da igreja, confiava na salvação pelas como os judeus haviam confiado nas obras da lei e nos rituais do templo para se obter a salvação. Lutero tornou-se um ardoroso defensor da doutrina da justificação pela fé e outros reformadores também defenderam a doutrina da graça.

As teses de Lutero representam um marco para a recuperação da sã doutrina. Elas registram o início da teologia que produziu a reforma protestante. Embora ainda fizessem referência a resíduos do romanismo tais como: o purgatório, o papado, os santos e Maria como mãe de Deus, sem contestá-los a princípio, percebemos, já nesse momento, as formulações embrionárias das doutrinas que vão caracterizar a identidade protestante. No decorrer do processo as doutrinas bíblicas lançadas por terra pela tradição eclesiástica estavam sendo restauradas e entre elas a doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Com certeza Lutero não elaborou novas doutrinas, mas, numa volta à Bíblia como fonte de conhecimento teológico e espiritual, elucidou a mensagem consignada nas Escrituras que se encontrava soterrada sob os escombros da tradição medieval. 

Ao buscar a salvação pelas obras o que bíblicamente é impossível de se obter, o homem estaria negando a Cristo. Da intercessão de Jesus a mente humana era afastada e encaminhada aos sacramentos da igreja. Contestando a compreensão romanista de salvação por mérito, pelas obras, que tinha como símbolo distintivo a venda de indulgências (compra do perdão) a Reforma resgatou o ensino bíblico de que a salvação (perdão, aceitação diante de Deus e santificação) é concedida gratuitamente por Deus àqueles que confiam em Jesus como seu Salvador pessoal. A salvação não pode ser comprada, mas procede da misericórdia de Deus para com o pecador que se volta para a cruz de Jesus. Ou seja, não merecemos a salvação, mas a salvação é obtida pela graça mediante a fé para que o homem ande em novidade de vida (Ef 2.8-10).

Sola gratia (Somente a Graça) é o ensinamento de que salvação vem por graça divina ou "favor imerecido" apenas, e não como algo merecido pelo pecador. Isto significa que a salvação é um dom imerecido de Deus por causa de Jesus.  A salvação pela graça mediante a fé tornou-se um dos marcos da reforma protestante, uma vez que é uma doutrina das Escrituras Sagradas.

III. Dependentes da Graça de Deus

Nós não somos só não merecedores da graça de Deus como somos totalmente dependentes dela. Sem a graça de Deus que é um favor imerecido da parte dEle e que ele nos oferece por amor atribuindo a nós a justiça de Cristo não teríamos esperança de salvação. Tão somente através de Jesus Cristo pode alguém experimentar a salvação: "Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12). A base para semelhante justificação não é nossa obediência, e sim a de Cristo, pois "por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para justificação que dá vida" e "por meio da obediência de um só [Homem], muitos se tornarão justos" (Rm 5.18-19). Ele concede a Sua obediência àqueles que são "justificados gratuitamente pela sua graça" (Rm 3.24). "Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo Sua misericórdia, Ele nos salvou" (Tt 3.5). 

Muitos acreditam erradamente que a sua posição diante de Deus depende de suas boas ou más obras. Abordando a questão de como as pessoas são justificadas diante de Deus, Paulo declara inequivocamente que ele "perdera todas as coisas e as considerou como refugo ou escória para ganhar a Cristo e ser achado nEle, não tendo justiça própria, que procede da lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé" (Fp 3.8-9.) Em harmonia com a Bíblia, os cristãos protestantes declaram reiterada e enfaticamente que ninguém pode ser justificado pela guarda da lei ou de qualquer outra boa obra ou penitência. A justiça de Deus, que é obtida pela fé em Cristo, trás consigo a vida de Deus, inseparavelmente ligada à justiça; e a vida de Deus, que é comunicada ao homem mediante a fé em Cristo, é uma vida de justiça - a justiça de Cristo de obrar o que é reto. 

Em infinito amor e misericórdia, Deus fez com que Cristo, que não conheceu pecado, Se tornasse pecado por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus (2 Co 5.21). Guiados pelo Espírito Santo, sentimos nossa necessidade, reconhecemos nossa pecaminosidade, arrependemo-nos de nossas transgressões e temos fé em Jesus como Senhor e Cristo, como Salvador, Substituto e Exemplo. A fé que aceita a salvação advém do divino poder da Palavra e é dom da graça de Deus. Por meio de Cristo, somos justificados, adotados, como filhos e filhas de Deus e libertados do domínio do pecado. O Espírito renova a nossa mente, escreve em nosso coração a lei de Deus, a lei de amor, e recebemos o poder para levar uma vida santa. Permanecendo nEle, tornamo-nos participantes da natureza divina e temos a certeza da salvação agora e no Juízo.

Conclusão

A Reforma Protestante restaurou muitas verdades bíblicas importantes que haviam sido derrubadas por terra encobertas pela tradição dos homens. Entre essas verdades está a doutrina da salvação pela graça mediante a fé em Cristo Jesus. O homem é justificado pela fé independente das obras, mas é salvo para boas obras: "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas" (Ef 2.8-10). Somos salvos pela graça mediante a fé para andarmos em novidade de vida.

O homem não pode ser salvo pelos méritos, penitências, pelas obras da lei ou pelos sacramentos e indulgências da igreja, mas é salvo quando arrependido manifesta fé nos méritos de Jesus a seu favor aceitando a Jesus Cristo como único e suficiente Salvador: "E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12). Maria e os santos não podem salvar o homem ou mesmo interceder por ele, a igreja não pode salvar o homem, a religião não pode salvar o homem, somente Jesus pode salvar o homem perdido (Mt 18?11; Lc 19.10). O único mediador entre Deus e os homens é Jesus Cristo (1 Tm 2.5).

A doutrina da salvação pela graça foi rejeitada pela igreja nos dias de Martinho Lutero. Sempre os que pregam a Palavra de Deus como ela é e não como as pessoas crêem que ela seja é rejeitado e perseguido e rejeitam também a mensagem de Deus pregada por Seus mensageiros, mas antes importa obedecer a Deus que aos homens (At 5.29) e o Espírito Santo é dado àqueles que lhE obedecem (At 5.32). O homem sempre se pergunta ou pergunta a outros o que ele deve fazer para ser salvo (At 16.30). Sempre achamos que a salvação é por aquilo que temos que fazer ou aquilo ao qual temos que renunciar, mas a resposta de Deus é: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo tu e tua casa" (At 16.31). Há salvação para todos os que buscam a Deus e aceitam a morte vicária de Seu filho em seu lugar. Não somos merecedores da graça de Deus, mas somos totalmente dependentes dela.



Sugestão de Leitura da Semana: ROGÉRIO, Marcos; PEREIRA, Leonardo. Graça Abundante. São Paulo: Evangelho Avivado, 2017.


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