sábado, 5 de março de 2022

Comentário Bíblico Mensal: Março/2022 - Capítulo 1 - O que é Ética Cristã

 




Comentarista: Daniel Alcântara



Texto Bíblico Base Semanal: Mateus 15.1-20


1. Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo:

2. Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão.

3. Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição?

4. Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá.

5. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe,

6. E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.

7. Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo:

8. Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim.

9. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.

10. E, chamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi, e entendei:

11. O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.

12. Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram?

13. Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada.

14. Deixai-os; são cegos condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.

15. E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola.

16. Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?

17. Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora?

18. Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem.

19. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias.

20. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.


Momento Interação

Ética cristã é um grupo de princípios morais fundamentado na Palavra de Deus. Esses princípios instruem o homem sobre como ele deve viver sua vida neste mundo de uma forma que agrade ao Senhor. A ética cristã regulamenta o relacionamento do homem com o próximo e com sigo mesmo. Os fundamentos da ética cristã podem ser vistos do começo ao fim das Escrituras. A Bíblia revela explicitamente o padrão moral de Deus. Um exemplo desse padrão pode ser encontrado de forma sintetizada nos 10 mandamentos no Antigo Testamento, e no sermão da montanha no Novo Testamento (Êx 20.2-17; Mt 5-7). Ética é definida como sendo um conjunto de valores morais que estabelecem as diretrizes que regulamentam a vida da humanidade em sociedade. A ética está presente em todas as decisões que o homem toma nas diferentes áreas de sua vida. A palavra “ética” tem origem no termo grego eqikh, que basicamente significa “costume” ou “hábitos”.

Introdução

O significado de Ética cristã aborda o sistema de valores morais estabelecidos e considerados pela Igreja, associados com o Cristianismo histórico e que é utilizado para a sustentação teológica e filosófica dos seus princípios. Ou seja, ética cristã é composta por princípios que possuem como finalidade fazer com que os ensinamentos da Igreja Católica se tornem padrões de ação na sociedade – isso quer dizer que os ensinamentos são padronizados para os relacionamentos e para a própria vida. Sendo assim, a ética cristã opera por meio de diversos pressupostos, instrumentos e conceitos – um dos maiores deles é a Bíblia: os fiéis a utilizam como guia para agir e se comportar como a Igreja Católica estabelece sua ética.

O indivíduo irá buscar viver sua vida levando em consideração os ensinamentos de Jesus, assim como seus mandamentos. As normas de conduta correta estarão sempre presentes neste indivíduo – por terem sido instituídas por Deus. A ética cristã se aplica a obediência à Cristo, não excluindo-se a razão, é claro. A Igreja afirma que a ética cristã é também um mandamento, um ensino, isto é, são diretrizes, ao contrário dos costumes que são flexíveis e variáveis. Portanto, a ética cristã é normativa, pois tem como base as normas estabelecidas pelo Criador.

I. O que é Ética Cristã

Os princípios da ética cristã são extraídos das Escrituras Sagradas. A Bíblia é a infalível e inerrante Palavra de Deus, ou seja, o próprio Deus se revelou nas Escrituras. Por isso ela é totalmente inspira e possui autoridade plena para exortar, corrigir, ensinar e guiar o homem num modo de vida de acordo com a vontade do Senhor. Em primeiro lugar, a ética cristã se fundamenta na realidade da existência de um único Deus. Esse único e verdadeiro Deus subsiste nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ele é santo e imutável, criador de todas as coisas. Ele criou o homem como um ser moralmente responsável, e lhe revelou o padrão moral que o agrada. 

Essa revelação de Deus à humanidade ocorre de diversas formas. Ele se revela através das obras da criação. Tudo o que foi criado por Ele aponta para os seus atributos divinos. O próprio homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Isso significa que apesar do pecado ter deformado essa imagem, em sua consciência o homem ainda carrega os reflexos do padrão moral exigido pelo Criador. Mas é através das Escrituras que Deus se revelou de forma especial à humanidade. Tudo isto torna o homem indesculpável. Ele jamais poderá argumentar que quebrou o padrão ético exigido por Deus devido à ignorância ou desconhecimento.

Em segundo lugar, a ética cristã reconhece que o homem falhou em obedecer a Deus. Ele quebrou sua lei moral, assumindo uma posição de total rebelião contra o Criador. Dessa forma, o homem não se encontra mais num estado moralmente neutro. Sua natureza é caída e inclinada ao mal. Todas as suas decisões naturais são influenciadas pelo pecado. Por isto ele não pode, naturalmente, desejar, amar e cumprir aquilo é espiritualmente bom diante de Deus. Ao contrário, sua ética natural sempre está fundamentada em propósitos egoístas que contrariam a vontade de Deus.

II. A Ética no Antigo Testamento

A atenção de Deus está voltada para o ser humano e suas ações na história. O ser humano, por sua vez, confronta-se com o projeto de Deus, a ser acolhido ou rejeitado. Acolhida ou rejeição, atos da liberdade humana, significam decidir-se, ou não, por um projeto de vida sintonizado com os anseios divinos para a humanidade. Os atos do homem e da mulher de fé são expressões de comunhão ou de discrepância com o que se reconhece serem as orientações do Criador para as suas criaturas. A longa trajetória do povo de Israel, desembocando nas comunidades cristãs, descreve o percurso da humanidade desejosa de adequar seu caminhar (ética) ao querer do Deus de sua fé (teologia).

A vertente ética faz-se presente em todas as grandes tradições literário-teológicas do Antigo Testamento. Ao se referirem ao diálogo entre Deus e a humanidade, comportam as exigências divinas para o ser humano, inserido na história e desafiado a viver, aí, a fidelidade ao Deus do povo. A Tradição Legal (a Torá), por natureza, reporta-se ao projeto de Deus para seu povo formulado com leis apodíticas e casuísticas, mas, também, como narrações que sugerem modos de proceder. A Tradição Profética, ao denunciar os desvios de conduta da liderança e do povo, aponta para o que Deus espera de Israel. A Tradição Histórica narra as consequências da fidelidade e da infidelidade do povo ao seu Deus e comporta um apelo para a vida virtuosa, pressuposto para a bênção divina. 

A Tradição Sapiencial confronta o fiel com a exigência de se decidir por Deus – o caminho da vida –, evitando-se a impiedade e a injustiça – o caminho da morte. A oração de Israel, cujo repertório mais significativo encontra-se nos Salmos, aponta para prática da piedade, feita de comunhão com Deus e com o próximo. Assim, qualquer que seja a porta de entrada para a leitura bíblica veterotestamentária, o fiel se defrontará com indicativos éticos incontornáveis. As muitas imagens de Deus, desde o Deus da Criação, passando pelo Deus da Libertação e, também, do Exílio, para desembocar no Deus na Esperança, todas elas, comportam apelos de conduta para o israelita fiel. Confrontar-se com Deus (teologia) significa escutar-lhe as exigências (ética).

As exigências éticas da Bíblia supõem uma concepção de ser humano, pensado na relação com Deus, donde se desdobrarão as relações com os semelhantes. O trato com o próximo decorre da abertura para o querer divino; o querer divino aponta o modo de proceder adequado no trato com o próximo. Teologia e antropologia, por conseguinte, interpenetram-se, tornando indissociáveis o modo de ser e de proceder do ser humano e o modo de ser e de proceder do Deus libertador.

III. A Ética no Novo Testamento

O único Deus da Criação e Aliança, de Abraão e Israel, de Moisés e Davi, do profeta e sábio, ressuscitou Jesus crucificado de Nazaré dentre os mortos. Essa boa notícia foi celebrada entre seus seguidores como a vindicação de Jesus e sua mensagem, como a revelação do poder e propósito de Deus, e como a garantia do bom futuro de Deus. A ressurreição foi motivo de grande alegria; foi também a base para a ética do Novo Testamento e suas exortações para viver na memória e na esperança, para ver a conduta moral e caráter à luz da história de Jesus, e para discernir uma vida “digna do evangelho de Cristo” (Fp 1.27).

A ressurreição foi a vindicação de Jesus de Nazaré como o Cristo. Ele veio anunciando que “o reino de Deus está próximo” (Mc 1.15), que a futura soberania cósmica de Deus, o bom futuro de Deus, estava próxima. E ele havia feito esse futuro presente; ele já havia feito seu poder em suas palavras de bênção e em suas obras de cura. Ele chamou o povo a se arrepender, para formar sua conduta e caráter em resposta às boas novas daquele futuro vindouro. Ele chamou seus seguidores para “vigiar” por ela e orar por ela, para saudar sua presença e para formar comunidade e caráter de maneiras que antecipassem esse futuro e respondessem às maneiras pelas quais o futuro já estava fazendo com que seu poder fosse sentido nele.

Tal era a forma escatológica da ética de Jesus. Ele anunciou o futuro em axiomas como: “Muitos dos que são os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros” (Mc 10.31; Mt 19.30; Lc 13.30). Ele fez esse futuro presente por sua presença entre os discípulos “como alguém que serve” (Lc 22.27; cf. Mt 20.28; Mc 10.45; Jo 13.2–17). E ele chamou o povo para saudar tal futuro e segui-lo em mandamentos como “Quem quer ser o primeiro deve ser o último de todos e servo de todos” (Mc 9.35; cf. 10.44). Deleitar-se já em um reino vindouro em que os pobres são abençoados devia agora mesmo estar despreocupado com a riqueza (Mt 6.25, 31, 34; Lc 12.22) e dar generosamente para ajudar os pobres (Mc 10.21, Lc 12.33). Receber, mesmo agora, um reino que pertence aos filhos (Mc 10.14) era recebê-los e abençoá-los (Mc 9.37). Responder fielmente a um futuro que foi sinalizado pela conversa aberta de Jesus com as mulheres (por exemplo, Mc 7.24–30; Jo 4.1–26) já tratava as mulheres como iguais. Celebrar o perdão de Deus que fez com que seu poder fosse sentido na comunhão de Jesus com os pecadores (por exemplo, Mc 2.5; Lc 7.48) era receber os pecadores e perdoar os inimigos.

Porque Jesus anunciou e já revelou o vindouro reino de Deus, ele falou “como alguém que tem autoridade” (Mc 1.22), não simplesmente com base na lei ou na tradição ou nas regularidades da experiência. E porque o reino vindouro de Deus exigiu uma resposta de toda a pessoa e não apenas observância externa da lei, Jesus consistentemente fez exigências radicais. Assim, a demanda radical de Jesus pela veracidade substituiu (e cumpriu) a casuística legal sobre juramentos. A exigência radical de perdoar e reconciliar anulou (e cumpriu) limitações legais à vingança. A exigência de amar até os inimigos coloca de lado os debates jurídicos sobre o significado de “vizinho”. Suas instruções morais não se baseavam nos preceitos da lei nem nas regularidades da experiência, mas ele também não as descartava; a lei e a sabedoria foram qualificadas e cumpridas nesta ética de resposta ao futuro reinado do único Deus da Escritura.

Conclusão

É verdade que a Bíblia não é um tipo de lista exaustiva que se refere diretamente e explicitamente a todas as situações de nosso cotidiano. Porém, de modo geral, ela fornece de forma clara e suficiente tudo o que precisamos saber para viver nossa vida diante de Deus e do próximo. Então a ética cristã expõe os padrões absolutos das Escrituras e os aplicam as mais diversas situações de nossas vidas. O padrão ético não-cristão do mundo, seja qual for a alternativa ética adotada, sempre será falho e pecaminoso. Às vezes diante de uma atrocidade alguém pode dizer que faltou a ética. No entanto, isto nunca será verdade.

Todas as decisões que o homem toma se enquadram numa forma ética. Foi dessa forma que até mesmo os eventos mais tenebrosos de nossa História foram justificados por quem os cometeu. Foi assim com o nazismo e os demais casos de genocídio. As grandes guerras também foram fundamentadas em alguma alternativa ética. Atos como a defesa do aborto, eutanásia e ideologias que procuram deturpar a instituição familiar, também seguem princípios de formas éticas não-cristãs, sejam elas humanísticas ou naturalísticas. Essas formas éticas facilmente introduzem seus valores egoístas, individualistas, materialistas e relativistas na sociedade.

Por isto os verdadeiros cristãos rejeitam todas essas alternativas éticas, e enxergam na ética cristã o conjunto dos valores morais exigidos por Deus aos homens, independentemente de sua cultura ou época. Esses valores são imutáveis e absolutos. Mas deve ficar claro que é a ética cristã não é algo que concede ao homem uma forma de salvação ou justificação própria.  A ética cristã é aplicada na vida do cristão como uma forma de gratidão. Ele foi salvo pela graça mediante a fé em Jesus Cristo, e agora deseja viver sua vida com uma conduta que agrada a Deus (Cl 3.1-6).

Sugestão de Leitura da Semana: ROGÉRIO, Marcos. Credo e Conduta. São Paulo: Evangelho Avivado, 2020.


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