sábado, 23 de janeiro de 2021

Comentário Bíblico Mensal: Janeiro/2021 - Capítulo 4 - Humildade e Mansidão

 




Comentarista: Mickael Ferreira



Texto Bíblico Base Semanal: Tiago 4.1-17

1. De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?
2. Cobiçais, e nada tendes; matais, e sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada tendes, porque não pedis.
3. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.
4. Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.
5. Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem ciúmes?
6. Antes, ele dá maior graça. Portanto diz: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.
7. Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.
8. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações.
9. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza.
10. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.
11. Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, já não és observador da lei, mas juiz.
12. Há só um legislador que pode salvar e destruir. Tu, porém, quem és, que julgas a outrem?
13. Eia agora vós, que dizeis: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos;
14. Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece.
15. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo.
16. Mas agora vos gloriais em vossas presunções; toda a glória tal como esta é maligna.
17. Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.

Momento Interação

Em Tiago 4, aprendemos qual é a raiz das guerras, discussões, desentendimentos e intrigas que há na humanidade, são os desejos malignos do coração. Tiago adverte que se formos dominados por eles viveremos em guerra. Só não temos o que desejamos por dois motivos: 1. Não pedimos a Deus, 2. São pedidos que Deus não pode atender. Tiago aprofunda a ideia de relacionamento, compromisso e intimidade com Deus. Ele nos mostra o que é necessário para se achegar a Deus de forma real e sincera. Não devemos julgar o próximo. Não somos juízes da Palavra de Deus, apenas observadores. Por isso, nosso comportamento deve ser de união e respeito mesmo quando discordamos em alguns pontos. Por fim, Tiago fala sobre a expectativa do dia de amanhã. Não podemos nos gloriar nele, pois ele não existe ainda. Devemos nos gloriar no Senhor e na esperança de que o “amanhã” virá por causa da sua graça.

Introdução

Há tantas coisas que militam em nossa carne querendo nossa atenção. É a cobiça, a inveja, os prazeres, a amizade do mundo. Ser amigo do mundo significa aqui em Tiago desprezar a Deus porque ele está falando do sistema que há no mundo e não do mundo criado e bendito de Deus. No mundo quem governa e quem está no trono de nossa vida recebendo adoração é o nosso ego e não o nosso Deus. Quando está sentado no trono da minha vida o meu “eu”, então a minha motivação não é Deus, nem sua lei, nem meu próximo, mas tão-somente meus desejos. Quando eu peço algo a Deus apresentando-me diante de Deus com meu ego entronizado, eu não receberei nada que tenha pedido. 

Há dois tipos de sabedoria: uma de Deus e outra do mundo. Tiago informou a seus leitores sobre como distinguir uma da outra. De onde vem o que é mal em nossos corações que nos motivam às práticas erradas? Os maus desejos são as causas das divisões entre os santos. Aqui a inveja está ainda sendo considerada, como um desejo perverso destrutivo. A língua pode ser um instrumento do mal nas discussões, mas os maus desejos encontram-se na fonte. É a cobiça que desperta em nós os desejos de termos as coisas e ela nos leva até à morte e à inveja para consegui-las, por isso vivemos lutando e em guerras e nada temos, simplesmente porque não pedimos.

A inveja é um pecado contra Deus. Ela procede da falta de confiança de apresentarmos as nossas necessidades a Deus. Tiago não está prometendo aqui que se nós simplesmente orarmos, todos os nossos desejos serão satisfeitos. Orar pelo que necessitamos e desejamos demonstra sabedoria, mas a oração é muitas vezes o meio pelo qual Deus modela os nossos desejos para que eles se conformem aos desejos dele. Quando deixamos de nos aproximar de Deus em oração a respeito das nossas necessidades, somos propensos a recorrer à ganância e aos esforços mundanos.

I. Guerras e Pelejas

Visto estar ciente de problemas no seio da comunidade, Tiago faz uma transição abrupta: põe de lado os pacificadores, os líderes sábios da comunidade, e enfrenta a situação dos conflitos na igreja. De onde vêm as guerras e contendas entre vós? Eis uma boa pergunta, visto que, se a sabedoria de Deus se encontra entre os pacificadores, as guerrilhas comunitárias não procedem dos amantes da paz. O resultado de uma comunidade obedecer aos padrões cristãos pode gerar conflitos com o mundo pagão ou com a sinagoga, como resultado inevitável da fidelidade a Cristo. Mas as querelas dentro da igreja (i.e., entre vós) são guerra civil e não defesa nacional.

A pergunta de Tiago é retórica, pois ele já conhece a resposta: Não vêm disto, dos prazeres...? A semelhança do capítulo 1.13-15, Tiago não porá a culpa em forças externas: a fonte são seus próprios impulsos maus, ou, como Paulo diria, o "velho homem", a velha natureza carnal. Tais contendas podem ser "apenas humanas", mas refletem a humanidade decaída; enquanto as pessoas não reconhecerem seu pecado e dele não se arrependerem, não há esperança de paz na igreja. O verdadeiro campo de batalha é interno: Os prazeres que nos vossos membros guerreiam. Os maus impulsos na pessoa não fazem parte de seu corpo (este pode servir a Deus tão facilmente como pode servir ao diabo), apenas estão no corpo e lutam pelo seu controle. Teoricamente, mediante o Espírito "da sabedoria que vem do alto", as pessoas deveriam estar capacitadas a conquistar seus maus impulsos, mas, tendo em vista o fato de que sua fidelidade dividiu-se entre Deus e o mundo (Tg 4.4,8), tais pessoas não obtêm a vitória, mas vivem em constante luta; a parte sob o controle de Deus luta contra a parte sob o controle do mundo. A linguagem é forte; a batalha é uma experiência profunda. 

Tiago discute com maiores minúcias o que ele afirmara em 4.1. A raiz do conflito é o desejo: você almeja algo. É esta exatamente a questão em Tiago 1.14. Seja qual for o objetivo, o desejo é a origem do pecado e do conflito. Posteriormente, Tiago salienta as consequências do desejo frustrado (não podeis obter o que desejais). Em vez de reexaminar seus desejos, a pessoa por eles aprisionada lança mão da calúnia e do abuso verbal contra os que foram atendidos em seus pedidos (num sentido metafórico, o invejoso "assassina" o próximo). É evidente que a inveja acompanha esse desenvolvimento (como em Tiago 3.14), dando uma aparência de amizade, na superfície, mascarando todavia uma luta pelo poder. 

A rivalidade pessoal induz a lutas partidárias: combateis e guerreais. As palavras de Tiago 3.16 tornaram-se realidade na vida da comunidade: ei-la tomada pela desordem. No entanto, apesar de tanta intriga, não se obteve o resultado colimado: nada tendes (i.e., nada que desejais). Tentaram satisfazer seus desejos de modo errado, mas a tradição cristã tem um caminho melhor — o de pedir a Deus. Foi Jesus quem nos disse: "Pedi, e recebereis". Os iníquos estão tramando, não estão pedindo. O resultado será a frustração.

II. Pedindo a Deus com Sabedoria

A resposta de Tiago ao protesto implícito está na última linha do paralelismo. Pedis e não recebeis porque pedis mal; há um motivo ponderável para a oração não funcionar: pedis mal, isto é, a motivação é errada. Nenhuma oração é respondida automaticamente. Os evangelhos contêm muitas promessas quanto à oração (cf. Mt 7.7-11; 17.20; Mc 11.23,24; Lc 18.1-10; Jo 14.13); todavia, cada promessa traz em si uma pressuposição central, a saber, que o coração de quem ora está em sintonia com o coração de Deus. É isso que significa orar "em nome de Jesus", ou ter fé, ou pedir alguma coisa ao pai. Essa é a razão por que a oração dominical inicia-se com três pedidos que enfatizam a vontade de Deus. Se a oração nada mais fosse do que uma fórmula mágica (diga as palavras corretas, creia com suficiente firmeza e confesse seus pecados; seu pedido será atendido), os cristãos estariam envolvidos num tipo de magia. Poderiam manipular Deus ou a ele impor suas vontades, pois Deus seria obrigado a responder. 

Em contraposição, a oração do Novo Testamento cresce de um relacionamento com um pai cuja vontade é suprema. Tiago aponta-nos, então, que esses crentes não podem receber porque não estão sintonizados com Deus; eis a razão: pedis... para o gastardes em vossos prazeres. A implicação não é que Deus nunca nos concede coisas que nos dêem prazer. Nosso Deus é o Deus misericordioso que nos dá não apenas pão e água, mas também carne e vinho (Fp 4.12). A questão crucial é que aqueles crentes eram motivados por desejos egoístas, e pediam apenas com o objetivo de satisfazer o seu ego. Não se trata de um filho cheio de confiança, que pede uma refeição, mas um filho cobiçoso, que pede tudo que lhe apetece(Desejar intensamente; aspirar a; pretender, cobiçar, ambicionar) mais, ou a criança mimada que exige as coisas a seu modo. Aqueles crentes pediam a Deus que lhes abençoasse as tramóias; porém, Deus não participará delas.

Deus recusa-se a responder aos pedidos que procedem dos maus desejos. Orar pelos motivos errados é orar sem fé (Rm 14.23; Hb 11.6). Por isso que pedimos e não recebemos, pois estamos pedindo por motivos errados, para nos gastarmos em nossos prazeres. Tiago os chama de adúlteros ou de infiéis - trata-se de infidelidade espiritual – aqueles que tem amizade com o mundo e com Deus ao mesmo tempo. Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus. Aqui, ele pode estar se referindo especialmente a Deuteronômio 6.15 ou, mais geralmente, à Escritura num sentido amplo (Êx 20.3,5; 34.14; Dt 32.21; Js 24.19; Na 1.2). Em seguida  (Tg 4.5) ele explica que o Espírito Santo que Deus fez habitar em nós, por Cristo, tem fortes ciúmes. O Espírito de Deus habita nos cristãos, e por essa razão os cristãos estão ligados a Deus na mais profunda intimidade. Portanto, Deus não irá tolerar uma fidelidade que esteja divida entre ele e o mundo. Simplesmente, não dá para agradar ambos: a Deus e ao mundo. Então, ele nos enche de graça e graça maior, como está escrito: "Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes" (Tg 4.6).

III. Sujeitando-se ao Senhor

A igreja é a noiva de Cristo, assim como Israel era a noiva de Deus (2 Co 11.2; Ef 5.22-24; Ap 19- 21). Quando Israel se voltava para a idolatria, não abandonava o culto a Deus, mas tentava fazer um "sincretismo"( Tendência à unificação de ideias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis), ou combinação de ambos: Deus no templo e a rainha do céu em casa; Deus no templo, e Baal no pátio. E por isso Israel é reiteradamente comparado a uma esposa infiel, adúltera, que deseja manter a segurança e a respeitabilidade de seu lar e do marido, mas também deseja usufruir o amante (Is 1.21; Jr 3; Os 1-3). Tiago aplica essa imagem à igreja, acusando-a de servir a certo tipo de "ídolo" e simultaneamente a Deus.

E fácil identificar o "ídolo": é o mundo. Não sabeis que a amizade do mundo é inimizade com Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. As pessoas deviam ter reconhecido esse fato, porque aquela pergunta, não sabeis, indica que este ensino não é novidade. Como em 1 João 2.15-17, mundo significa cultura, costumes e estruturas humanísticas, organizados sem a atuação de Deus. O oposto de mundo é reino, entre os quais a igreja funciona como ponte aqui na terra, em que Deus é a origem e o centro de toda vida. Esses cristãos adoram a Cristo com muita fidelidade, mas também procuram os benefícios da influência, da segurança financeira e de um padrão de vida melhor, o que significa que não conseguem viver "de um modo literal demais", segundo o ideal da igreja de servidão e generosidade. Vagarosamente os princípios "práticos" do mundo (poder, hierarquia, autoridade) vão sendo levados para dentro da igreja, conforme testemunham as dissensões e os conflitos.

Tiago diagnostica sem pestanejar que essa forma de infidelidade chama-se apostasia — a mesma doença do Antigo Testamento. De acordo com Jesus, o novo ídolo chama-se Mamom, ou riquezas (Mt 6.14; Lc 16.13); Tiago o chama "mundo". Como afirma Jesus, não podem existir "dois senhores". Querem ser amigos do mundo (o que pode dar a entender que nem mesmo o mundo deseja a meia lealdade que oferecem); são, portanto, inimigos de Deus. Nenhum marido se contentará com menos do que um relacionamento exclusivo por parte da esposa; Deus não aceitará menos do que total fidelidade. Além de condená-los por seu comportamento, Tiago acrescenta uma advertência: ou pensais que em vão diz a Escritura que... Aquela gente tem lido o Antigo Testamento, e só a supressão voluntária de sua mensagem pode justificar suas ações.

O Espírito que ele fez habitar em nós tem intenso ciúme. Deus é como um marido ciumento (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24) que não vai tolerar adultério de sua "noiva". O alvo do ciúme de Deus é o Espírito que ele soprou no seu povo (cf. Gn 6.17; 7.15; Sl 104.29,30; Ez 37), a quem chamou para que o adorasse e a ele obedecesse. Quando, entretanto, seu povo corrompe seu espírito para servir ao mundo, o ciúme de Deus se inflama. Ai da pessoa que ignora a ameaça divina, como se as Escrituras fossem apenas papel e tinta! Afirma Tiago que Deus está irado contra esses crentes; na verdade, Deus se constituiu inimigo deles. No entanto, Tiago infunde esperança no povo, em vez de terror: antes, ele nos dá uma graça maior. Tiago está consciente do julgamento de Deus sobre os que se recusam a arrepender-se (Tg 5.1-6), mas está também consciente de como Deus está disposto a perdoar. O desejo de Deus de perdoar é um preceito sobre o qual o livro todo de Tiago se baseia (Tg 5.19,20). Há razão para o tremor, mas o tremor será apenas um prelúdio à alegria, se o povo se voltar para Deus, pedindo sua graça.

IV. Vivendo a Vontade do Altíssimo

A prova desta verdade também se encontra nas Escrituras: portanto, diz a Escritura: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Este versículo (Pv 3.34) é um dos textos prediletos da tradição cristã ética, e proporciona ao povo a possibilidade de uma escolha: pode humilhar-se e receber uma graça de Deus, ou pode prosseguir na autossuficiência humana e sofrer a ira de Deus. A atitude de Deus não será determinada pelos pecados do passado, mas pelo atual estado do coração de seu povo. O Deus de Tiago é o Deus benevolente das Escrituras. Visto que Deus é misericordioso, o passo seguinte é arrepender-se, o qual Tiago apresenta numa série de dez mandamentos. Sujeitai-vos, pois, a Deus é o ponto principal. Se haviam tentado manipular a Deus mediante suas orações, se haviam desprezado os mandamentos de Deus conforme exarados nos ensinos de Jesus, isso era sinal de que não se tinham submetido (sujeitado) a Deus. Essa atitude precisaria mudar. 

Não há graça barata, nenhum perdão de pecados se o pecador pretende continuar pecando. Contudo, em havendo sujeição a Deus, a graça está disponível. O primeiro passo é parar de agradar ao diabo: Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Tiago demonstra que, embora o impulso para pecar é algo interno, ceder a esse impulso é entregar-se ao diabo. Os evangelhos são claros neste ponto (Mt 4.1-11; Mc 8.28-34; Lc 22.31; Jo 13.2,27). Todavia, o diabo não exerce poder sobre o cristão, exceto o poder da sedução. Quando resistimos ao diabo, este se comporta como o fez diante de Jesus, no deserto — foge. A mesma experiência será também a do crente, se aprender a dizer não. 

Há promessa e ao mesmo tempo exigência na convocação chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. É promessa recíproca de Deus: torne-se para ele o que ele se tornará para você (Mq 3.7), volte-se para Deus, que Deus se voltará para você (cf. Zc 1.3). Deus é um Pai amoroso que aguarda a oportunidade de responder a seu filho em perdão, mas há uma exigência: que o filho se arrependa e se aproxime, chegai-vos. Este termo normalmente indica um ato de culto. Mas toda a adoração naquela igreja deixa de ser uma aproximação, para alguns, pois sua desarmonia comunitária, enraizada na preocupação com o sucesso mundano, impossibilita tal aproximação, por ser inaceitável. "Aproximem-se de mim", clama o Senhor. "Adorem-me em espírito e em verdade! Cultuem-me em obediência!" (cf. Tg 1.27).

Prosseguindo a metáfora, clama Tiago: Lavai as mãos, pecadores. O culto no Antigo Testamento exigia mãos cerimonialmente puras (Êx 30.19-21). Esses crentes não estão preparados no momento para o culto, porque estão em pecado. O termo pecadores é forte, pois Tiago não aceita desculpas. As ações dessas pessoas são pecaminosas — de fato são pecado indesculpável. E só mudarão seu comportamento ("lavarão as mãos") depois de aceitarem esse fato. Tiago deixa o comportamento de lado e trata agora do problema interior, ao exigir: vós de duplo ânimo, purificai os corações. Outra vez temos um termo do cerimonial tirado do Antigo Testamento (Êx 19.10), mas a imundícia agora não está no exterior (pelo fato de o judeu ter tocado num cadáver), mas no interior. A natureza da purificação que se faz necessária transparece no termo duplo, o mesmo encontrado em Tiago 1.8. Não se aplica a uma pessoa que conscientemente oculta seus motivos reais, mas a uma pessoa cuja motivação encontra-se dividida. Por um lado, a pessoa deseja seguir a Cristo e ser um bom cristão; por outro lado, não está disposta a desistir do mundo (cf. Rm 6.8; 2 Co 5.11-17). As pessoas assim apresentam desculpas pelo fato de seguir os padrões do mundo a respeito de influência e modos de ganhar dinheiro (cf. Tg 4.13-17).

Conclusão

Finalmente, surge a esperança; quando os pecadores se humilham diante de Deus (humilhai-vos perante o Senhor), entristecidos de verdade por causa do pecado, a aceitação da parte de Deus é garantida: ele vos exaltará (cf. Tg 4.6). O quadro em mira é o de alguém prostrado diante de um potentado oriental, a quem roga misericórdia. O monarca inclina-se em seu trono e ergue o rosto daquele que pede, tirando-o do pó do chão. A pessoa levanta-se com alegria, cheia de gratidão, sabendo que foi perdoada. Esta metáfora ocorre no Antigo Testamento para ilustrar a ação divina na restauração do destino dos pobres: "Ele põe os humildes num lugar alto, e os que choram são levados para a segurança" (Jó 5.11). Tampouco rejeitará Deus a esses cristãos, se se arrependerem de seus pecados e os abandonarem. Tiago encerra esta seção sobre a língua, a sabedoria e os impulsos maus com uma exortação final que se centraliza na natureza do arrependimento que há pouco ele exigiu.

Irmãos é palavra que indica alívio esperado, ao iniciar novo parágrafo, depois de tão estrondosa denúncia na última seção (Tg 4.1-10). No entanto, Tiago emite novo mandamento de imediato: não faleis mal uns dos outros, ficando definido que "falar mal" é "julgar a seu irmão". Tiago percebeu que havia crentes falando mal (negativamente) uns dos outros: "Você já sabe que é que fulano (ou fulana) fez?". Pouco importa se as acusações são verdadeiras ou falsas, visto que independentemente de serem verdade ou mentira, divulgá-las a pessoas que não estão envolvidas na situação vai destruir a harmonia da comunidade. "O amor cobre uma multidão de pecados" (cf. 1 Pe 4.8). O amor não divulga pecados, pelo que os crentes não devem falar negativamente a respeito de seus irmãos.

Tiago justifica seu mandamento sem mencionar Jesus: "Não julgueis" (Mt 7.1-5), mas utiliza um argumento que poderia enfatizar a grande gravidade da ofensa, com maior clareza: o crítico das pessoas fala mal da lei e julga a lei. De que modo o crítico fala mal da lei? A lei em Levítico 19.18 estabelece que devemos amar ao próximo como a nós mesmos. O próprio Jesus disse que este é o segundo maior dos mandamentos (Mc 12.31), cujo significado o Senhor fez derivar da regra áurea (Mt 7.12). Criticar outra pessoa não é amá-la, tampouco é o modo pelo qual desejamos ser tratados. Portanto, criticar alguém implicitamente é criticar a própria lei: "Não se aplica a este caso". Se isto fosse verdade, o crítico não mais está simplesmente "guardando" a lei como um observador da lei, mas fez-se juiz. Desprezar a lei concernente aos comentários negativos parece algo inocente, mas por baixo desse desprezo está o espírito de orgulho segundo o qual em certos casos pode-se "corrigir" as leis de Deus.



Sugestão de Leitura da Semana: SILVA, Oliveira. O Fundamento da Igreja de Cristo. São Paulo: Evangelho Avivado, 2019.


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