sábado, 19 de março de 2022

Comentário Bíblico Mensal: Março/2022 - Capítulo 3 - Ética Cristã e Vida Conjugal

 




Comentarista: Daniel Alcântara



Texto Bíblico Base Semanal: Efésios 5.22-33


22. Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;

23. Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.

24. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.

25. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela,

26. Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra,

27. Para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.

28. Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.

29. Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja;

30. Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos.

31. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne.

32. Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.

33. Assim também vós, cada um em particular, ame a sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido.


Momento Interação

Logo no primeiro livro da Bíblia, o relato da criação faz referência à distinção entre os dois sexos criados por Deus: macho e fêmea. Na sequência, o Pentateuco traz ainda várias regulamentações relacionadas ao sexo – seja no que diz respeito ao seu significado primário como a diferença estrutural entre os dois membros da raça humana (homem e mulher), seja no que diz respeito ao seu significado secundário que se refere aos atos sexuais. A sexualidade humana foi criada por Deus. Isso fica muito claro quando a Bíblia diz que Deus criou macho e fêmea (Gn 1.27). Portanto, a sexualidade faz parte da natureza humana. Diferentemente dos anjos que foram criados com um número definido, Deus criou toda a humanidade a partir de um primeiro casal que se reproduziu através do sexo (cf. Lc 20.34-36). Em nosso idioma, a palavra sexo é usada tanto para se referir ao conjunto de características biológicas que indicam o indivíduo como macho e fêmea, quanto para se referir à prática sexual. Embora a palavra sexo não apareça na Bíblia, isso não significa que a Bíblia ignora o assunto. Pelo contrário! A Bíblia fala sobre a sexualidade humana de forma franca e clara.

Introdução

Desde o tempo do Iluminismo, a ética religiosamente baseada teve uma má reputação entre muitos intelectuais do ocidente. Sigmund Freud poderia ser tomado como um porta-voz de muitos estudiosos e educadores na forma como ele via a ética judaico-cristã como irracional, produtora de culpa, e falsamente restritiva da liberdade natural. Juntamente com muitos outros, Freud queria uma abordagem mais racional” da ética. E se essa rejeição da ética religiosamente baseada tivesse tido um ponto central de conflito, poderia facilmente ser em rejeitar a ética judaico-cristã com respeito ao casamento e sexo, uma rejeição que veio à proeminência cultural com a “revolução sexual” de uma geração passada. É provavelmente menos comum que intelectuais seculares tenham explicitamente rejeitado padrões morais judaico-cristãos a respeito de assassinato, roubo ou mentira.

Mas agora essa rejeição da ética religiosamente baseada está sendo questionada a partir de uma direção que pode ser surpreendente para alguns: a pesquisa empírica nas ciências sociais. Vários estudos empíricos recentes em psicologia e sociologia têm mostrado que as pessoas geralmente experimentam um nível bem mais alto de bem-estar e felicidade se permanecem casados por toda a vida e mantêm relações sexuais dentro do casamento. Não há mais nenhuma razão para ver as regras tradicionais religiosas contra o divórcio e o sexo fora do casamento como imposições irracionais de um Deus arbitrário ou inexistente.

I. As Bênçãos do Casamento

Antes de olharmos para o trabalho dos cientistas sociais, seria bom revisar com maior precisão o que era realmente alegado por pensadores da moral judaico-cristã. A alegação não era somente que regras morais procedem de Deus. Era também que regras morais apropriadas tendem a contribuir para o bem do homem, pois estas regras estão arraigadas em ou correspondem à natureza e relacionamentos humanos. Isso era verdade, quer alguém estivesse falando sobre a ética do sexo, de dizer a verdade, de proteger a vida e a propriedade, ou qualquer outra coisa. Pelo menos desde o tempo de Kant, a filosofia tem geralmente separado as questões de dever (éticas deontológicas) das questões que contribuem para o bem humano (éticas teleológicas ou utilitárias). E esta tendência filosófica é frequentemente vista em discussões populares que separam os deveres religiosos da felicidade humana.

Mas na tradição bíblica não há uma separação entre consideração de deveres e consideração do que contribui para o bem-estar humano. Na própria Bíblia parece não haver tensões entre dizer que alguém deve seguir certa regra moral porque ela procede de Deus, e dizer que alguém deve seguir essa regra moral porque a mesma contribui para o bem humano. Por um lado, após ter recebido os Dez Mandamentos de Deus e dado ao povo, Moisés pôde usar a linguagem de dever para com Deus para explicar a importância de guardar as regras. “Deus veio para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de vós, afim de que não pequeis” (Êx 20.20). Por outro lado, Moisés pôde usar também a linguagem moral que soa teológica, que conecta regras morais com o bem humano, quando explicou o porquê as pessoas deveriam seguir as regras morais. “Andareis em todo o caminho que vos manda o SENHOR vosso Deus, para que vivais e bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que haveis de possuir” (Dt 5.33). A separação moderna entre dever moral e considerações do bem humano está simplesmente ausente na perspectiva bíblica. Os dois estão perfeitamente unidos porque Deus é visto como a fonte de ambos.

II. A Ética Cristã no Casamento

Se por um lado a sexualidade tem sido desvirtuada na sociedade pós-moderna, por outro lado alguns cristãos insistem em tratar o assunto como tabu. Embora o tema possa trazer desconforto para alguns, a sexualidade humana não pode ser subestimada. No ato da criação Deus fez o homem e a mulher sexualmente diferentes: “macho e fêmea os criou” (Gn 1.27). Portanto, o sexo faz parte da constituição anatômica e fisiológica dos seres humanos. Homens e mulheres, por exemplo, possuem órgãos sexuais distintos que os diferenciam sexualmente. Sendo criação divina, o sexo não pode ser tratado como algo imoral ou indecente. As Escrituras ensinam que ao término da criação “viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Desse modo, o sexo não deve ser visto como algo pecaminoso, sujo ou proibido. Tudo o que Deus fez é bom. O pecado não está no sexo, mas na perversão de seu propósito.

Ao criar o homem e a mulher, Deus também criou a sexualidade: “E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra...” (Gn 1.28). O relacionamento sexual foi uma dádiva divina concedida ao primeiro casal, bem como às gerações futuras: “deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2.24). Sempre fez parte da criação original de Deus a união sexual entre o homem e a sua mulher, formando assim, ambos uma só carne. O livro poético de Cantares exalta a sexualidade e o amor entre o marido e a sua esposa (Ct 4.10-12). Portanto, não é correto “demonizar” o desejo e a satisfação sexual. Assim como o sexo, a sexualidade também não é má e nem pecaminosa. O pecado está na depravação sexual que contraria os princípios estabelecidos nas Escrituras Sagradas.

A finalidade primordial do ato sexual refere-se à procriação. Deus abençoou o primeiro casal e disse-lhes: “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 1.28). Tal como o Criador ordenara a procriação dos animais (Gn 1.22), também ordenou a reprodução do gênero humano. Neste ato. Deus concedeu ao ser humano os meios para se multiplicar, assegurando-Lhe a dádiva da fertilidade. Depois da queda no Éden (Gn 3.11,23), e a consequente corrupção geral (Gn 6.12,13), o Altíssimo enviou o dilúvio como juízo para eliminar o género humano (Gn 6.17), exceto Noé e sua família (Gn 7.1). Passado o dilúvio, Noé recebeu a mesma ordem recebida por Adão: “E abençoou Deus a Noé e a seus filhos e disse-lhes: frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 9.1). A terra, que outrora fora despovoada, agora deveria ser repovoada por Noé a fim de dar continuidade aos desígnios divinos (Gn 3.15, cf. Rm 16.20).

As Escrituras ensinam que o casamento é digno de honra (Hb 13.4) e que a união conjugal deve ser respeitada por todos (Mt 19.6). O leito conjugal não pode ser maculado por ninguém. Quem o desonrar não escapará do juízo divino (Hb 13.4b). Aqui a desonra refere-se ao uso do corpo para práticas sexuais ilícitas com ênfase nos casos de relações extraconjugais (1Co 6.10). Inclui também as relações conjugais resultante de divórcios e de segundo casamentos antibíblicos (Mt 19.9). Embora, muitas vezes, os imorais escapem da reprovação humana, não poderão fugir da ira divina (Na 1.3). A práxis da sociedade e a condescendência de muitas igrejas não invalidam a Palavra de Deus.

III. Zelando Eticamente pelo Casamento

Certa vez perguntaram a Jesus se era permitido o homem abandonar a mulher (cf. Mt 10.2-16). A pergunta era capciosa. Se Jesus falasse que sim, seria acusado de não ter misericórdia. Na sociedade patriarcal em que se vivia então, a mulher não tinha cidadania, era propriedade do marido. Se Jesus dissesse que não, estaria indo contra a Lei de Moisés que permitia ao homem dar carta de divórcio, quando não queria mais a mulher por qualquer motivo. E agora? Jesus respondeu com uma pergunta: o que diz as Escrituras? Jesus remonta à criação conforme está no primeiro livro da Bíblia. Qual foi o projeto original de Deus para a união entre homem e a mulher? Está no livro do Gênesis logo no início: Deus criou o homem e a mulher e os destinou um ao outro, para que vivessem no amor.

Jesus afirma que o homem e a mulher têm a mesma dignidade, os mesmos direitos. O amor verdadeiro não é por uma temporada. Quando existe mesmo é para sempre. Quando se ama, se cuida. Não estamos falando de paixão. Esta compara-se a um incêndio, o qual, quando acaba, deixa somente cinzas, a paixão quer devorar o outro. Amor brota da alma e se alimenta também do sacrifício de um pelo outro. Os fariseus que interrogavam Jesus se preocupavam se estavam dentro da Lei ou não (legalismo). A lei dava o domínio do homem sobre a mulher. Jesus, no entanto, propõe outra atitude: a preocupação com o relacionamento com Deus e com a outra pessoa. Deus, vida e ser humano vem antes da Lei. No relacionamento humano deve haver responsabilidade. Você é responsável pelo outro, é a ética cristã do matrimônio.

Moisés permitiu ao homem dar carta de divórcio para a mulher, a fim de amenizar sua situação em uma sociedade machista onde sem o marido a mulher teria que mendigar ou se prostituir para sobreviver. Era o mal menor, já que não se suportava o projeto original de Deus, que consiste na união de um homem e uma mulher que deixam sua família para formar outra família, fundamentando seu amor na unidade e fidelidade. No início desta pandemia vimos como aumentaram o número de separações. O susto de ter que conviver com o outro no dia a dia, na mesma casa, trouxe surpresas. Realmente, de perto ninguém é normal como se diz. Costumamos idealizar muito as pessoas e quando se trata do matrimônio, o romantismo estraga tudo, pois, não raro vive de fantasia.

Romantismo é a maneira de olhar o outro somente pelos sentimentos que acabam caindo no sentimentalismo. Ele ou ela não é príncipe ou princesa encantados. São seres humanos com seu lado luminoso e suas sombras. O romantismo vê somente o lado luminoso, vive de ilusão. A imaturidade impede muitas pessoas de assumir o matrimônio cristão com seu componente de diálogo, doação mútua, perdão, escuta e indissolubilidade. Feliz é o casamento no qual o homem é a cabeça e a mulher o coração, os dois, bem sincronizados pelo amor que leva à amizade. O casamento sem amizade é um dia sem aurora e o tempo está sempre nublado.

Conclusão

Alguém poderia adicionar que em tais casamentos de conflitos pequenos, o divórcio não parece ser de forma alguma sábio, dado os desgastes humanos, e tais casamentos poderiam prontamente ser reconciliados se existir o desejo de assim fazê-lo. Algum movimento em direção a esse “ideal transcultural” é possível. Passos práticos e úteis podem ser tomados. “Comprometimento  matrimonial, mostram estudos, é sustentado não somente por atração, mas também por uma convicção moral da importância do casamento e por temor dos custos sociais e financeiros de uma quebra de relacionamento”. Essa convicção moral e temor dos custos da quebra  matrimonial podem ser elevados nos jovens por uma nova geração de livros-texto para escolas e universidades, livros que possam identificar esses fatos científicos mais claramente que aqueles do passado, enquanto também sendo orientados para o bem humano. 

Atitudes e ações podem ser significantemente mudadas por leis e regulamentos a respeito de casamento e divórcio, e talvez até mesmo por regras financeiras e de impostos. Aulas bem definidas de preparação para casamento podem ser extremamente eficazes em dar aos casais a idéia, motivação, e habilidades práticas necessárias para fazer com que um casamento realmente dê certo. As ciências sociais nos dizem que casamentos que duram até o fim da vida (e a rejeição de sexo fora do casamento) é um fator muito grande na felicidade de indivíduos e para o bem da sociedade como um todo. A ciência pode também nos dizer que existem algumas coisas que podemos fazer para chegarmos mais perto desse ideal.

Sobre a base da ciência real, alguém pode afirmar agora a regra moral judaico-cristã, “não adulterarás”, como era tradicionalmente interpretada: você não pode acabar um casamento ou noivado com sexo fora do casamento. Mesmo um ateu pode afirmar que essa regra tem sido cientificamente mostrada como sendo crucial para o bem-estar humano. A rejeição dessa regra é agora não somente anti-religiosa, mas também anticientífica. Historicamente, os cristãos têm afirmado que essa regra foi encravada por Deus tanto na natureza e relacionamentos humanos, como também proclamada por Ele na consciência e nos Dez Mandamentos. A ciência pode não ser capaz de provar que essa regra vem de Deus, mas hoje o salto da ciência para a fé é bem menor do que pensávamos no passado.

Sugestão de Leitura da Semana: SANTOS, Matheus. O Viver do Cristão. São Paulo: Evangelho Avivado, 2019.


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