Comentário Bíblico Abr/ 2017
Comentário: José Carlos
Introdução
Com o texto em pauta, Paulo inicia a parênese final e praticamente termina a carta, no capítulo 5 da sua primeira epístola aos Tessalonicenses. Por causa do v.23 a perícope também tem sido usada para a época de Advento. Por esta razão, talvez tenham sido excluídos os vv.12s, já que dentro dessa temática eles se tornam secundários. No entanto, vamos tratar o texto para um dos domingos após Trindade. Depois da comemoração dos grandes eventos salvíficos de Deus, esta é a época silenciosa do crescimento da comunidade e de seu serviço ao mundo. Nesta perspectiva também os versículos em questão se tornam importantes. Na carta que lhes dirige, o apóstolo não cansa de agradecer a Deus pelos frutos da proclamação do Evangelho naquele meio (1.2;2.13;3.9). Mas ele sabe, também, que a comunidade não está pronta (2.12;3.10,12s;4.1,9ss.), e precisa de orientação a respeito de problemas específicos da fé (4.13ss;5.1-H).
Também os outros dois colaboradores são mencionados como autores da carta (1.1). Escrita em 49/50 d.C., em Corinto, ainda no percurso da segunda viagem missionária, esta e a primeira carta de Paulo é o documento mais antigo do NT.
I. Ressurreição e a Vinda do Senhor
Se para Seus redimidos a vinda do Senhor significa a entrada no gozo eterno, para os incrédulos é o sinal de uma "repentina destruição" (v. 3; Lucas 17:26-30). Bem-aventurada esperança para uns, total e terrível surpresa para outros! Infelizmente, na prática, a diferença está longe de ser tão nítida! Alguns "filhos da luz" ocultam sua candeia "debaixo do alqueire, ou da cama" (Marcos 4:21). Eles estão dormindo, e a sonolência espiritual é um estado que se assemelha à morte. E qual é a causa? Geralmente é a falta de sobriedade. Embriagar-se é fazer dos bens terrenos um uso que supera ao que se necessita (ver Lucas 12:45-46). E quando um homem está adormecido acerca dos interesses celestiais e bem acordado acerca dos interesses terrenos, como pode desejar o retorno do Senhor? Nós, que somos do dia, "não durmamos como os demais" (v. 6), "que não têm esperança" (4:13), por temor de sermos surpreendidos pela repentina chegada de nosso Senhor. Voltemos a ler as sérias palavras do Senhor no capítulo 24 de Mateus e no capítulo 13 de Marcos
II. Paulo fala sobre as Estações
No trecho anterior o apóstolo estava abordando a questão do segundo advento de Cristo. Em relação a isso, diz ele, o importante é saber que não estamos destinados para a ira, mas para a salvação mediante Jesus Cristo. Depois de incentivar a mútua consolação e edificação na comunidade, seu pensamento se volta em especial aos que a dirigem e nela trabalham. De que e de quem se trata? Mesmo que já exista em Tessalônica uma espécie de círculo diretivo, ainda não se pode falar de ministérios especiais, como mais tarde serão conhecidos Trata-se aqui de pessoas carismáticas que se preocupam pelo bem-estar, em sentido amplo, dos demais. A conotação dos termos empregados indica que sua tarefa é, sobretudo, poimênica. Mas também profética: como adiante alguns exemplos irão demonstrar, às vezes é necessário coragem e firmeza no trato com os membros da comunidade. Por isso mesmo, os dirigentes se tornam incômodos para alguns. É neste contexto que Paulo pede aos tessalonicenses que os tenham em amor e consideração, que vivam em paz com eles, justamente por causa do trabalho que realizam.
Nos Vv. 14-15: Antes de entrarmos neste bloco, convém chamar a atenção para o seguinte: as exortações que seguem continuam dirigidas a todos os irmãos, e não somente aos dirigentes da comunidade. Admoestar, consolar e edificar a comunidade é responsabilidade confiada a todos os membros, e não apenas a seus dirigentes. Em 4.18 e 5..11 isso é expressamente afirmado, e deve ser pressuposto também no caso da nossa perícope. Estamos, pois, tratando do sacerdócio geral de todos os crentes. Vamos ver como isso pode tornar-se concreto na vida de uma comunidade.
A primeira referência de Paulo diz respeito aos ATAKTO (preguiçosos; Almeida: insubmissos). Conforme 2 Ts 3.6-12, são pessoas que, em vista da iminente parusia de Cristo, julgam não precisar mais trabalhar. Em vez disso, intrometem-se na vida alheia, vivendo às custas dos outros e causando discórdia dentro da comunidade, além de tornar-se mau exemplo para os de fora. A estes Paulo tem seu próprio exemplo para contrapor. Mesmo tendo direito de viver de seu apostolado, a proclamação do Evangelho em Tessalônica não correu às custas dos tessalonicenses (2.7-9; 2 Ts 3.7-9). Por isso, os que vivem às custas dos outros devem ser exortados a trabalhar com as próprias mãos (4.11; 2 Ts 3.1). A segunda carta sugere medidas mais severas contra essas pessoas, que aparentemente ainda não haviam reparado sua conduta (2 Ts 3.6; cf. Mt 18.15-17).
III. Preceitos Gerais
1 Ts. 16-22: Esses versículos dão o embasamento aos anteriores. A convivência fraterna na comunidade e a solidariedade para com os fracos se nutrem do relacionamento com aquele Deus que busca contato com a sua criatura marginalizada e fraca. A vontade de Deus (veja também 4.3) é desdobrada aqui em três aspectos:
a) O convite à alegria (v.16) é bastante frequente nas cartas paulinas. Vale a pena notar que CHAIREIN (alegrar-se) provém da mesma raiz que CHARIS (graça). É realmente a graça imerecida e a experiência do amor divino que formam o fundamento da alegria cristã. Esta não está enraizada em nós mesmos e, por isso, não depende das circunstâncias que atravessamos. Ela é alegria no Senhor (Fp 4.3). Por essa razão, ela pode ser afirmada até mesmo em meio à tribulação pela qual passa a comunidade (1.6; 3.7,9). A perseguição e a tribulação não têm a força de anular ou intimidar a eficácia da fé, porque a fé age na certeza de que a vitória pertence a Deus (1 Co 15.57).
b) A oração (v.17) é como a respiração da fé. Ambas têm o mesmo pressuposto: elas só são possíveis porque Deus rompe nossa solidão e se comunica conosco por meio de sua Palavra. Por isso mesmo, a oração é sempre a resposta do cristão que se sabe interpelado por Deus. Somos convidados a orar incessantemente, e isso quer preservar-nos do perigo de fazer uma dicotomia entre o retiro da oração e a presença divina em nosso cotidiano. A frase nos lembra que nossa vida toda deve ser responsavelmente vivida na presença de Deus.
c) Na base de todo agradecimento (v. 18) está a convicção de nossa dependência fundamental de Deus, e de que precisamos uns dos outros para viver. Quem não sabe agradecer é facilmente dominado pelo orgulho e pelo desprezo aos outros, pois pensa ter conquistado tudo o que é e tem com as próprias forças. Por aqui começa a exploração do semelhante.
Os Vv. 19-22 continuam a mesma temática, só que em sentido universo: o assunto não é mais a comunidade diante de Deus, mas a ação de Deus na comunidade, através de seu Espirito e de sua Palavra. Em 4.9-5.11, 14a, Paulo havia corrigido manifestações entusiastas na comunidade, decorrentes de uma falsa compreensão da parusia de Cristo. Agora, convém proteger a própria correção de mal-entendidos. Por isso: ''Não apagueis o Espírito (v.19). Esta palavra se torna ainda mais compreensível, se levarmos em conta que se trata de uma comunidade jovem, cuja vida espiritual ainda está nos inícios. Apagar o Espírito seria a mesma coisa que apagar a chama de onde provém toda a plenitude de dons e carismas, através dos quais a comunidade é edificada e Deus realiza sua obra no mundo (1 Co 12.4-11).
Entre as manifestações do espírito, a comunidade deve estimar em especial o dom da profecia (v.20), provavelmente em descrédito no seu meio. Ele deve ser especialmente procurado porque por seu intermédio a comunidade é edificada, exortada e consolada (1 Co 14.1-4), e não somente o indivíduo.
Entretanto, nem tudo o que se diz proveniente do Espírito procede realmente do Espírito de Deus. Por isso, nos dois versículos seguintes (21 e 22) Paulo aponta para a necessidade de avaliar criticamente as manifestações do Espírito, com a finalidade de reter apenas o que é bom. Mais tarde, na Primeira Carta aos Coríntios, o apóstolo há de referir-se ao discernimento de Espírito como um dos carismas concedidos à comunidade (1 Co 12.10; 14.29; cf. também 1 Jo 4.1). No mesmo contexto ele define também o critério pelo qual importa discernir os espíritos e carismas: eles procedem de Deus se estão em conformidade com a fé cristã, se servem, não a interesses particulares, mas ao bem de toda a comunidade, e se são exercidos em amor (1 Co 12.3.7; 13: cf.1Pe 4.10).
Vv. 23-24: Esta visão tripartida da pessoa humana, como espírito, alma e corpo (v,23), quer expressar simplesmente que a vida toda dos tessalonicenses, seu pensar, querer e agir, é marcada pela obra santificadora de Deus. Esta obra de santificação de forma alguma está terminada, conforme expresso em diversas partes da carta. Ela é um processo dinâmico que inicia no Batismo e quer estar em continua realização até a parusia de Cristo. Deus é fiel, e haverá de completar a obra iniciada até a vinda de seu Filho (v.24).